Do fazer ao ser

Eu tinha sete anos de idade quando convidei a Jesus Cristo para entrar na minha vida. Jamais esquecerei aquele dia quando pedi perdão dos meus pecados e agradeci a Jesus por ele ter morrido por mim na cruz. Ele confirmou a minha oração com uma paz profunda e alegria transbordante. Isso aconteceu numa evangelização para crianças, na cidade de Dortmund, na Alemanha Ocidental. Lembro quando depois da reunião caminhava para casa; a rua era escura e a maioria das casas estava em ruinas, pois havia se passado apenas um ano do término da segunda Guerra Mundial. 

Aquela noite o meu coração transbordava de luz e alegria. Eu tinha nascido de novo! O Deus do universo tinha se tornado o meu Pai celestial. E tudo isso em resposta a simples oração de fé. A salvação, o maior de todos os presentes, foi-me oferecido como dom da graça de Deus. Eu não tinha nada a fazer, além de aceitar de coração este presente divino. Tudo já tinha sido feito quando Jesus morreu em meu lugar na cruz, pagando a dívida e culpa do meu pecado. É bom demais! 

Quando cheguei em casa naquela noite exclamei: “Mutti (mãezinha), eu entreguei a minha vida a Jesus!”  Ela me deu um abraço e disse: “Vá e conte para o vovô.” Ele estava no outro quarto. Foi o que eu fiz.  E de lá pra frente continuei fazendo exatamente isso, contar aos outros o que Jesus fez por mim. Com oito anos fui batizado, depois que irmãos da igreja confirmaram que de fato entendia o profundo sentido deste ato de obediência. 

Com dez anos de idade sofri um acidente que quase custou a minha vida. Quando em coma, num hospital católico, irmãos da igreja se revezavam para orar ao lado da minha cama. Deus ouviu a oração e, contrário ao diagnóstico do médico, me recuperei. Depois de dois anos não mostrava mais nenhuma sequela daquele acidente traumático.

Com onze anos eu sabia que Deus me chamou para ser um missionário. Queria dedicar toda a minha vida para levar o evangelho a outros. Entendia que só Cristo salva e que todos estão perdidos sem Ele. Hoje reconheço que nem todos os meus métodos de levar o evangelho eram adequados quando, por exemplo, levava os meus folhetos, escritos a mão, para dentro das igrejas católicas na nossa redondeza. Na minha objetividade e afã de salvar os outros, ainda não sabia distinguir entre a voz do Espírito de Deus e a minha própria determinação. Eu sabia, que tinha achado a verdade, mas ainda não entendia que só o Espírito de Deus convence os corações e que a minha tarefa era apenas a de ser uma testemunha obediente do amor de Deus. Em casa era um filho obediente, me esforçando para seguir o padrão de vida cristã. Minha mãe tinha orgulho de mim. Experimentava cada vez mais a realidade da vida de fé. 

Aos 15 anos a minha família mudou-se para o Brasil. Nos primeiros três anos fiquei numa igreja superconservadora, mas depois mudamos para outra denominação evangélica que servia a Cristo com alegria. Acabei sendo o líder dos jovens, e, com 23 anos, voltei à Alemanha para ir ao Seminário. Eu queria servir ao Senhor. Deus usou estes anos para testar a minha fé e provar o que estava no meu coração. Na época minha mãe, uma verdadeira heroína na fé que muito influenciou a minha vida, me confortou com Dt 8:2,3. 

Voltei ao Brasil bem mais consciente de minha dependência total de Deus. Um ano depois encontrei a minha esposa, Marli. Ela também tinha entregue a sua vida ao serviço de Deus na adolescência. Nos amamos de coração e temos uma sinergia maravilhosa no ministério. Ela estava comigo quando lideramos o trabalho da Diaconia por três anos. Em 1969 começamos o ministério de RTM no Brasil, que lideramos por 14 anos. Depois atuamos na liderança de RTM em nível internacional por 34 anos.  Hoje tenho o privilégio de estar andado com Jesus há mais de 76 anos. Tem sido uma caminhada maravilhosa, porque Deus é fiel em todas as circunstâncias.

Uma das mais profundas e impactantes experiências no ministério, foi quando compreendi a realidade de Cl 1:27 e Gl 2:20, a vida de Cristo em mim, de uma forma presencial. Não que não soubesse que no fim das contas a obra é do Senhor, e que sem Ele nada podia fazer. Marli tinha até bordado Jo 15:5 num lindo painel que decorava o meu escritório desde 1970. Mas foi diferente quando o Senhor me abriu o entendimento para o fato de que a Graça que me salvou em 1946, é a mesma Graça que hoje, e a cada dia, quer me fazer andar nas boas obras que Deus preparou de antemão (Ef 3:8-10). O que conta não é minha performance, mas a vida de Cristo em mim.

Quando entendi que a minha identidade em Cristo é real e presente desde o momento em que Ele entrou no meu coração e me fez um filho de Deus (Jo 1:12), toda a minha perspectiva ministerial mudou. Comecei a entender que discipulado não é apenas um exercício de disciplina e autocontrole, mas é a rendição total e diária da minha vontade ao Espírito de Cristo que habita em mim (1Co 6:17).  Quando apropriei o fato de que a minha velha natureza já morreu com Cristo na cruz (Rm 6:6) e que eu, livre do poder do pecado (Rm6:22), posso viver a vida de santificação no poder de Cristo, um grande peso caiu das minhas costas. Entendi que o que eu tinha feito até então era tão ridículo, como a história do homem que recebeu carona. Quando já sentado no carro foi convidado a tirar a mochila pesada que carregava nas costas. Mas ele se negou, porque achou que assim estava aliviando o peso no carro.  

Mt 11:28-30 começou a ter um novo sentido para mim. Entendi que muitas vezes eu tinha feito a obra com as minhas forças. É certo que eu era bem-intencionado e justificava a minha falta de tempo para a família e outras coisas importantes, dizendo que era responsável pela obra do Senhor. Agora entendi porque andava exausto e sem paz. Eu tinha trocado as prioridades. 

Entendi que antes de poder fazer o trabalho de Deus, eu tinha que estar em íntima sintonia, em comunhão de jugo, e obediente a Jesus. Ele queria tirar-me a mochila pesada e colocar nos meus ombros o seu fardo, que é leve. Entendi que a base do padrão do mundo, de saber, ter, fazer e controlar é contrário ao valor do Reino, que é ser uma nova criatura, ser um discípulo de Jesus. A verdadeira obra de Cristo, é somente o que Cristo operou. O resto é religiosidade. Quando reconheci isso, me assustei. Quanto do meu investimento tinha sido no suor de Caim e simplesmente obra da carne que Deus rejeita (Rm 8:8). Foi profundo o meu arrependimento. Hoje louvo a Deus pela sua abundante graça que cobre também este pecado da autossuficiência espiritual. É ser para fazer! É Cristo em mim o autor e consumador. E isso não nos leva a inatividade, pelo contrário. Paulo dá a resposta quando diz: “Trabalhei muito mais do que todos eles; todavia, não eu, mas a graça de Deus comigo” (1Co 15:10).